quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Entrevista "A geografia está na moda" Com experiência de quinze anos no assunto, Paulo Roberto Fitz avalia os rumos do geoprocessamento no Brasil e a postura dos geógrafos na área



Paulo Roberto Fitz
 

Paulo Roberto Fitz, autor dos livros "Geoprocessamento sem complicação" e "Cartografia Básica", lançados pela Oficina de Textos, trabalha com geoprocessamento há quinze anos. É especializado em Geografia Ambiental e tem mestrado em Sensoriamento Remoto e doutorado em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental, todos pela UFGRS . Atualmente é professor adjunto, pesquisador e coordenador do curso de Geografia da Unilasalle - Centro Universitário La Salle. Nesta entrevista, Fitz fala sobre sua experiência na área, comenta o uso e o ensino do geoprocessamento no Brasil e alerta para as possibilidades que os profissionais de geografia podem estar perdendo.


 
Conhecimento Prático Geografia Considerando o tempo que você atua na área, como você avalia a evolução do geoprocessamento no Brasil?
Paulo Roberto Fitz Grosso modo, eu trabalho com geoprocessamento há 15 anos e nesse período é muito notável um avanço principalmente na parte de hardware e software. Naquela época não existia nada, eram pouquíssimos programas, e hoje temos uma infinidade, tanto de programas pagos quanto livres. Sem falar na facilidade maior dos próprios softwares, que hoje têm uma interatividade maior com o usuário. Antigamente as coisas eram mais difíceis.
Hoje os softwares são mais amigáveis e foram agregando outras ferramentas, como geoestatística, que antes era preciso ter um trabalho paralelo para fazer certas análises. Essa evolução vem desde a década de 1960, eu peguei apenas as últimas décadas. Outra coisa que mudou muito foi a aplicação: hoje em dia qualquer empresa pode, antes de um investimento em uma nova filial ou antes de decidir onde se estabelecer em termos comerciais, fazer uma pesquisa de mercado para ver se o local que escolheu é adequado. Ou seja, não só órgãos públicos passaram a usar essas ferramentas, as empresas privadas também descobriram que podem utilizá-la para aferir mais lucros. Para as empresas, isso é uma segurança.
Outra aplicação é a tecnologia de GPS : você anda com um SIG dentro do automóvel. Esses tipos de aplicações da tecnologia do geoprocessamento há dez anos eram sonho, pois tecnologicamente não era possível, a gente só imaginava. E está cada vez está crescendo mais.
CP Geografia Para você, qual é o vínculo entre o Sistema de Informações Geográficas (SIGs) e Geografia?
Paulo Roberto Fitz Quando eu era estudante de geografia, lá na década de 1980, por ter começado antes fazendo engenharia e depois ir fazer geografia, eu via na geografia a possibilidade de trabalhar algumas coisas mais interessantes em termos de aplicabilidade prática. E já se fazia alguma coisa desse tipo, como sobreposição de mapas, de transparências, fotointerpretação. Nada mais é que uma forma rudimentar de fazer geoprocessamento. Essas coisas todas eram trabalhadas em geografia e, a partir disso, se fazia análises, mas não existia a tecnologia, era tudo na base da caneta.
A tecnologia apenas acelerou esse processo e melhorou sua execução. Ela possibilitou fazer isso dentro do computador, e essas construções passaram a ser muito mais precisas e mais rápidas. A coisa nasce dentro do time de análise geográfica, sendo necessários para a análise todos os segmentos de conhecimento que se adquire dentro das disciplinas tradicionais do tronco da geografia.
O que eu vi e andei conversando com o pessoal dos outros países: eles pensam assim, veem a geografia como uma espécie de precursora de toda essa tecnologia, porque a geografia já fazia isso antes de todos esses softwares. Hoje ficou muito fácil para fazer geoprocessamento, e o pessoal das outras áreas começou a perceber esse crescimento tecnológico, a se apoderar dessas ferramentas. E nós, geógrafos, ficamos a ver navios, apesar de esse tipo de análise ter nascido da geografia. Mas, ainda hoje, o trabalho interpretativo de análise dos dados gerados por essa tecnologia tem que ser feito por um profissional, e o profissional mais adequado para isso é o geógrafo, pelo tipo de conhecimento que ele tem (ou deveria ter) no decorrer da universidade. Os EUA são os precursores da área de geoprocessamento e quem trabalha com isso lá são geógrafos, como na maior parte do mundo. Aqui no Brasil perdemos bastante espaço para outras profissões.
CP Geografia E você acha que os profissionais de geografia brasileiros estão preparados para atuar nesse campo?
Paulo Roberto Fitz Isso vai depender do curso com o qual o cara está vinculado. Tem muitos currículos de universidade que não disponibilizam quantidade suficiente de horas de ensino para o profissional atuar nessa área. Se faz necessário uma revisão geral de currículo, uma normatização do currículo de Geografia, e eu acho que acabamos perdendo espaço por nossa incompetência, por não tentar infringir a necessidade de se atualizar em relação a essa área.
A mesma coisa aconteceu junto ao MEC , que andou reformulando os parâmetros, colocou novas diretrizes curriculares para os cursos e deixou as coisas muito abertas. Não tem uma especificidade de disciplina, não tem direcionamento, cabe a cada universidade optar. No final das contas, temos 2.400 horas mínimas de geoprocessamento em geografia, mas são 3.600 em engenharia. Ou seja, temos dois terços do tempo de estudo da área em relação a um curso de engenharia, eles têm muito mais disciplinas de geoprocessamento. Acaba que o curso de geografia tem que concentrar muito suas ações em determinadas áreas e, como é um curso muito interdisciplinar e diversificado, você acaba tendo pouco tempo para certos segmentos, especialmente esses mais técnicos. Não dá para chutar para todos os lados, é preciso se focar os interesses.
Cada universidade vai ter que optar, porque, com 2.600 horas, você não consegue fazer milagre. Não é só ver o que o mercado está pedindo, mas ver também a potencialidade do profissional que você está se formando. Não dá para fugir da realidade.
CP Geografia Que tipo de preparação os profissionais que tiverem interesse nessa área, mas não tiverem a formação completa na faculdade, devem procurar?
Paulo Roberto Fitz Hoje em dia há muitos cursos nessa área: cursos de extensão, de pós-graduação, o profissional vai se adaptando ao curso ao procurar a especialização. Saber da importância da técnica é o primeiro passo, conhecer as ferramentas, saber operálas, ter ciência que é um produto vinculado a nossa área. Você não pode tentar trabalhar a geografia hoje em dia, principalmente a questão da análise mais técnica, sem o uso dessa tecnologia. É muito difícil fazer qualquer uso de análise sem passar por isso, o mínimo de conhecimento tem que ter. É preciso saber disso e ir atrás de conhecimento, fazer algum tipo de curso, estudar, ver o potencial da coisa.
CP Geografia Como o profissional da área deve se manter atualizado?
Paulo Roberto Fitz Isso é uma coisa difícil, eu digo por mim. Você tem que correr atrás. O profissional que for trabalhar especificamente com isso vai ter que fazer cursos, ficar atento ao que está surgindo na sua área atuação. Também há muitos softwares livres, uma dica é ficar atento às novidades dessa área. Isso não significa ir atrás de tudo o que for lançado. Eu tenho aquela velha premissa de que o melhor software é aquele que você sabe usar. Não adianta perder tempo e dinheiro com novidades, você tem que saber o que está fazendo e qual é seu potencial. Mas o profissional dessa área não pode parar, a tecnologia avança muito rápido.
CP Geografia Quais técnicas são necessárias para o profissional de geografia ter a compreensão do geoprocessamento?
Paulo Roberto Fitz Tem que ter uma base boa na área da cartografia e na área de sensoriamento remoto e estatística. No mais, o uso da técnica em si vai depender das disciplinas do próprio curso, você vai ter que ter um bom conhecimento dos conteúdos gerais da geografia. A tecnologia não é só ficar empilhando informações de mapa, existe um estudo para entender o que está acontecendo naquela área. Para o embasamento dessas análises sistêmicas, as disciplinas do tronco da geografia são fundamentais. Ter conhecimento na área de informática seria interessante, mas não essencial.
CP Geografia Que tipos de avanços o geoprocessamento tem trazido no desenvolvimento de pesquisas no campo da geografia?
Paulo Roberto Fitz Tem afetado tudo. Eu já fiz trabalhos em bacias hidrográficas, por exemplo, com a análise de vazão de rios de uma bacia, o uso possível dessa bacia ou de uma área. Isso pode ser em qualquer escala: numa região, num estado, num país. Você pode fazer zoneamento ecológico, econômico, agrícola, pode ajudar muito em termos de planejamento e gestão: se você quer ver se uma área é correta para a plantação de uma determinada espécie, é possível colher todos os dados relativos a esse tipo de cultivo, gerar mapas intermediários dizendo que a área tem uma parte do solo bom para aquele tipo de cultivo. Isso é só um plano de informação. Tem outro plano que vai dizer a declividade da região... Você vai reunir diversos planos de informação e vai gerar um produto final com as possibilidades daquela área. E isso serviria para área urbana, para o chamado geomarketing. Essas ferramentas possibilitam uma resposta do mapeamento gráfico exato do que é melhor para determinada região.
CP Geografia Exista quem veja o geoprocessamento como uma ruptura com a geografia e há quem veja como a abertura de um novo campo. O que você acha dessas duas visões?
Paulo Roberto Fitz A ideia seria que, por volta do século XIX, houve uma ruptura entre geografia e cartografia, tanto que em Portugal ainda existe o curso de engenharia geográfica, voltado para cartografia. Sempre existiu uma dicotomia entre geografia física e humana e, naquela época, houve essa sepa-ração da geografia mais técnica e de análise. Houve uma primeira ruptura e agora, com o geoprocessamento, cria-se a discussão de uma segunda ruptura. Como o geoprocessamento nasce dentro da geografia e como muitos geógrafos brasileiros não estão conseguindo absorvê-lo - porque eles teriam que se reciclar -, essa visão é repassada. Inclusive em congressos da área, em que o geoprocessamento é um apêndice, enquanto as partes de humana estão sempre cheias.
Os geógrafos mais tradicionais não estão interessados em absorver essa tecnologia, e, como a geografia é uma área interdisciplinar, há uma tendência de falar em separação, na construção de uma nova ciência, as Ciências da Geoinformação ou Ciência da Informação Geográfica.
Por outro lado, essa tecnologia permite a agregação dos conceitos humanos da geografia com os conceitos físicos, é possível trabalhar a geografia crítica com o geoprocessamento, estudando a expansão de favelas, por exemplo, com o uso de tecnologia. Há uma possibilidade de agregação, de usar técnica para trabalhar análise crítica. Há uma técnica e há uma análise geográfica. Por que não juntar as duas coisas?
CP Geografia E o que impede que isso aconteça?
Paulo Roberto Fitz O problema são os cursos, e o MEC reduzir a carga horária foi um tiro no pé, uma visão errada, mercadológica, que acabou prejudicando sobremaneira qualquer intenção de realmente se fazer ciência nesse País. O curso não consegue dar uma análise mais profunda, você vai ter que procurar por conta própria. O geoprocessamento em muitas universidades acabou não se fixando como uma técnica vinculada à geografia. Minha vontade é ver uma aproximação, de criação dentro da geografia de uma visão tecnológica da geografia, ensinando a aplicar o conhecimento da universidade para a produção geográfica.
CP Geografia Você acha que o geoprocessamento alterou de alguma forma o conceito de espaço geográfico?
Paulo Roberto Fitz Em certo aspecto, sim, porque a noção foi ampliada. O companheiro do geógrafo sempre foi o mapa, mas hoje em dia passou a ser o computador. Você tem uma flexibilidade muito maior para os trabalhos, você vai ter muito mais informação para pensar o seu espaço geográfico.
Nesse sentido, o conceito em si não mudou, mas mudou a utilização. Há muito mais possibilidades do que antigamente, você antes se fixava muito em análise, agora tem uma infinidade de informação. Sua análise vai ficar muito mais rica e com possibilidades muito maiores por conta de toda a tecnologia desenvolvida ao longo desse tempo, não só no geoprocessamento. A aplicação está vinculada diretamente à tecnologia.
CP Geografia Você acha possível incluir o geoprocessamento já no ensino básico de geografia?
Paulo Roberto Fitz Sim, não com refinamento, mas como um conhecimento prévio. Já está sendo usado - alguns colegas que trabalham sensoriamento remoto usam linguagem de satélite, ferramentas como Google Earth e Google Maps, o que já é o uso de geoprocessamento. E essa tecnologia deve ser cada vez mais usada mesmo, é uma forma de o jovem se interessar pela ciência da geografia, que está muito carente hoje no Brasil.
CP Geografia O geoprocessamento também ampliou o campo de atuação da geografia, como, por exemplo, a ascensão do marketing geográfico. Você acredita que ele pode se refletir para o profissional de geografia na expansão do mercado de trabalho?
Paulo Roberto Fitz Certamente. Há muitos universitários que conseguem estágios nessa área, as empresas no geral têm procurado estagiários de geografia, porque engenheiros não têm cartografia, não lidam com isso, a não ser quem tenham feito um curso de extensão. Está começando a ocorrer uma procura interessante para o profissional com essa técnica, o geoprocessamento abriu bastante o campo para o geógrafo.
CP Geografia Como está o avanço do geoprocessamento no Brasil tanto em termos de uso quanto de produção de estudos e material acadêmico?
Paulo Roberto Fitz Eu vejo um avanço bastante rápido. Há 15 anos quase não existia nada, hoje em dia qualquer universidade vinculada a geografia pelo menos tem um laboratório, um núcleo que trabalhe com geoprocessamento. Qualquer empresa que trabalhe com consultora ambiental em geral tem uma ferramenta que faça algum uso, nem que seja apenas um mapa, para trabalhar com esse tipo de coisa. Nesses últimos anos, o campo de atuação do geoprocessamento aumentou muito, basta ver o próprio uso dentro do automóvel.
CP Geografia Você acha que o geoprocessamento pode ir além da cartografia?
Paulo Roberto Fitz Sim, muito além da cartografia. Todas essas análises geográficas necessárias ao geoprocessamento a cartografia não faz. A principal figura do geoprocessamento ainda é a do geógrafo, que consegue aglutinar as informações de maneira mais próxima do que se deseja, fazer uma análise espacial. O papel fundamental da cartografia é na parte técnica e específica da coisa, mas a análise e toda a parte de interpretação e o desenvolvimento para se poder concluir alguma coisa, extrair informações, interpretar, é o geógrafo quem faz.
CP Geografia Houve uma massificação do geoprocessamento com o acesso a ferramentas como o Google Earth, o Google Maps e o Wikimapia. O que você acha disso?
Paulo Roberto Fitz Eu acho ótimo, com bons olhos. A geografia está na moda. Esse tipo de massificação é boa nesse sentido, a tecnologia está à disposição de todo mundo. Não só para isso, mas para tudo, todas as áreas usufruem dessa tecnologia. Está à disposição de todos, mas é para o uso leigo - tem algumas coisas que você consegue extrair boas informações, dá para fazer um trabalho sério com o Google Earth, você pode fazer dele um serviço bastante preciso e técnico, mas o leigo vai usar como leigo.
É uma forma de divulgação e é importante para o professor de ensino médio, que pode usar para fazer propaganda. Mas não pode encerrar ali. Essa é a grande dificuldade que a geografia tem, as pessoas acham que a geografia se encerra no ensino médio e mais nada. Ninguém enxerga a geografia como algo que vá além daquilo, o estudante acha que não tem mais o que aprender. É um problema por outro lado vinculado a essas tecnologias. É preciso deixar claro que o uso e o conteúdo não acabam ali, é tarefa do educador mostrar o que pode fazer a partir desse ponto.
CP Geografia Que softwares de geoprocessamento você recomenda?
Paulo Roberto Fitz Hoje em dia são três principais: o SPRING , que é gratuito, em português, tem tutorial em português e tudo mais. O IDRISI , que é o mais amigável de todos e tem licença para estudantes, o que diminui o custo, tem suporte para o Brasil e faz tudo. E tem o ArcGIS , que é profissional, vai por um caminho mais de empresa, de investir profissionalmente. Esses são os três básicos.


"Essa é a grande dificuldade que a geografia tem, as pessoas acham que a geografia se encerra no ensino médio e mais nada. Ninguém enxerga a geografia como algo que vá além daquilo, o estudante acha que não tem mais o que aprender. É um problema por outro lado vinculado a essas tecnologias. É preciso deixar claro que o uso e o conteúdo não acabam ali, é tarefa do educador mostrar o que pode fazer a partir desse ponto."
Paulo Roberto Fitz

Entrevista fonte:
http://geografia.uol.com.br/geografia/mapas-demografia/24/artigo181157-1.asp
Outras fontes :
http://www.geodireito.com/?p=5602

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